España me toca
Até o cartaz tem aquele look de "very real alternative event". Deve ter piada!
PS: Xiu Xiu é mesmo muito interessante, crónica na MusicLetter em breve!
"9 AM, mesa encostada à montra do British Bar, Cais do Sodré, som de chávenas e páginas de jornal, há por aqui fumo de cigarros, e o sol através do vidro, a luz fresca que acompanha a bica. Uma manhã de Lisboa, aqui."
foto e edição por João Almeida
O ano musical parece estar a melhor à medida que as luzes natalícias adornam as nossas cidades. E é bom que assim seja, pelo menos como medida paliativa contra a habitual overdose de "gingal bells" e "silent nights" da época. Nada contra a música de Natal mais conservadora, aliás o Natal é a época de identificação com o nosso passado por excelência, mas um pouquinho de inovação só para criar uma nova tradição seria grato... não é assim Coro de Santo Amaro de Oeiras?!!!
Hoje proponho três álbuns, e a propósito de X-mas, dois são discos do Norte - não daquele onde trocam os V's pelos B's, neste Norte são mais de trocar os O's por O´s traçados e de usar poucas vogais: são Suecos. O outro é do continente Britânico, menos nortenho portanto.
- HIRD é Christoffer Berg, escandinavo de Gotemburgo e antes de aqui chegar amadureceu a sua musica por várias compilações (Nordic Lounge, Future Sound Of Jazz, etc.) e remisturas. A atmosfera lounge que emerge dos seus temas está em excepcional simbiose com os elementos jazzisticos e house que são matriz dominante da sua música, com um silk touch que envolve e liberta os sentidos e os movimentos. Cada tema tem o seu corpo e a sua personalidade muito própria, com bons arranjos vocais, algo pouco habitual nos lançamentos rotuláveis de "chill out" mais recentes. Há bem-estar portátil neste CD.
- Primeiro um álbum fabuloso "Blue Zero One", depois, e já recentemente, passaram a dar a cara pela imagem da Absolut Vodka, agora Paul Collen, Simon Lovejoy e Joel voltam à edição com "The Accessory". O primeiro álbum dos TAXI é uma obra-prima e dificilmente seria igualável, pelo menos se continuassem a adoptar as mesmas premissas: nujazz, nusoul e ambientes deephouse. E se de facto o trio de Norwich continuou na mesma linha, e com isso não destronaram "Blue Zero One" do seu lugar, a magia volta a estar lá, com a orgânica do jazz e da música negra, com o som da palavra, para nos deliciar.
1979 : Eládio Clímaco (na Suiça, em Francça, na Yougoslavia e em Portugal) e Maria Margarida Gaspar (na Alemanha e em Portugal), com José Fialho Gouveia (em Portugal)
1980 : Eládio Clímaco, com José Fialho Gouveia (em Portugal)
1981 : Eládio Clímaco e Alice Cruz
1982 : Eládio Clímaco e Alice Cruz, com Maria João Carreira (em Portugal)
Natal 1982 : Eládio Clímaco e Ivone Ferreira
1988 : Eládio Clímaco, Ivone Ferreira e José Fialho Gouveia
1989 : Eládio Clímaco e Ana do Carmo, com Ana Zanatti ( na final)
1990 e 1991 : Eládio Clímaco e Ana do Carmo
1992 : Eládio Clímaco e Ana do Carmo, com Conceição Cabral ( na final)
1993 : Eládio Clímaco e Cristina Lebre
1994 : Eládio Clímaco em Malta, Grécia, Italia, Portugal e País de Gales) e Cristina Lebre (na Républica Checa, Eslovénia, Portugal e Hungria)
1995 : Eládio Clímaco, com Anabela Mota Ribeiro e Luis de Matos (em Portugal)
1996 : Eládio Clímaco
1997 : Ana do Carmo, com Eládio Clímaco (na final)
1998 : Maria João Silveira
Eis o último grito em tecnologia ao serviço da dona-de-casa do século XXI que me chegou ao conhecimento através de uma newsletter de equipamento informático.
Parece um Action-Man de ar um pouco mais tonto, mas trata-se de um humanóide multiusos.
Poderia ser apenas mais um gadget de TV shop, de maior ou menor utilidade, só que a verdadeira preciosidade não está no produto em si mas sim no texto que o tenta promover: publicidade "da tanga" pura e dura in a nutshell. Está lá tudo, o cientista da NASA, os termos técnicos dignos da feira do relógio, a utilizadora encantada...Let's watch...
Três pontos do interesse geral, pois claro! Um para sorrir, outro para acompanhar de perto e o terceiro para tirar o sono com a ansiedade provocada:
1) para que não digam que este blog só critica o governo, aqui fica uma foto tótó do José Sócrates;
2) uma discreta notícia no PÚBLICO de hoje mas que é reveladora dos caminhos da hiper-privatização do Estado;
"Deco Exige Alteração do Quadro Legal dos Seguros de Saúde
O secretário-geral da Deco, Jorge Morgado, garantiu ontem que a alteração do quadro legal dos seguros de saúde será uma das principais batalhas daquele organismo no próximo ano, afirmando que o actual é "extremamente injusto para os consumidores". "Vamos lutar para que as companhias sejam obrigadas a manter o seguro para o resto da vida a partir de um certo número de anos de contrato e de uma certa idade dos segurados, o que com o actual quadro legal não acontece", disse o responsável da Deco, Associação de Defesa dos Consumidores. Jorge Morgado, que falava em Viana do Castelo, no final de um Encontro Nacional de Delegações da Deco, explicou que actualmente as companhias podem anular um seguro a partir do momento em que ele deixe de dar lucro, "o que normalmente acontece quando as pessoas têm mais problemas de saúde".
Segundo Jorge Morgado, é preciso que o poder político e as companhias "deixem de aliciar" os portugueses a fazerem seguros de saúde como se eles fossem uma alternativa ao Serviço Nacional de Saúde. Tem que se acabar com esse equívoco. O poder político tem que abandonar esse discurso e o poder económico tem que retirá-lo da sua campanha publicitária", defendeu. (...)"
Da imprensa de referência nacional neste fim-de-semana, destaco dois artigos, ambos publicados no jornal PÚBLICO.
Eu sei, bem tentei ver algo de interessante no EXPRESSO, mas apesar de andar de olho nas sestas de Santana Lopes, o jornal do arquitecto está um pouco chato. Este semanário, em termos jornalísticos começa a assemelhar-se a um "chat room" de luxo, onde sob pseudónimos, certas personagens enviam mensagens, recados e reminders a sei lá quem - eles sabem quem são, diria o outro. Em linguagem de chat, qualquer dia são banidos pelo administrador do canal! (Humm...que interessante analogia).
Por outro lado, que se passa com o EXPRESSO para se ter tornado num sucedâneo de brochura imobiliária?!!! Já repararam na overdose de resorts, condomínios, empreendimentos e sonhos à venda nas largas páginas deste semanário? E ainda há o aumento do peso gerado pelos milhares de encartes que habitualmente antecipam neste jornal o Natal comercial que aí vem! Ai ai EXPRESSO.
O primeiro artigo, da autoria de Helena Matos, foca dois temas: o fascínio Português pela autoridade dos Professores (não, não aqueles que não conseguem preencher na íntegra um formulário informático e vêm para a televisão chamar Xulo (com X) ao patrão; não falo dos professores que ensinam) e esse novo euro-cromo italiano chamado Rocco Buttiglione (óptimo nome para actor porno).
O segundo, de Augusto M. Seabra fala só sobre as reacções provocadas pelas afirmações do tal italiano. Sinceramente, nunca pensei em citar ou simplesmente concordar com ele, mas faço minhas as suas palavras.
O senhor Rocco Buttiglione e a polémica gerada pelas suas afirmações (que não têm parado) são um exemplo óptimo de uma dos temas que, na minha óptica, mais emanam dos status quo político actual: a dialéctica entre personalidade e subjectividade individual versus papel e objectividade funcional da "boa política" e a forma como estas dimensões se contaminam: ou, de outro modo, como o desempenho de um determinado cargo público deve ou não estar alinhado com os valores e respectivas representações dos que ocupem esse lugar ou de como o papel que se espera seja assumido por quem atinge esses cargos limita as exposição das suas crenças.
Desejaremos nós que as decisões de instituições com o peso e poder da Comissão Europeia sejam tomadas dentro do quadro de referências e convicções do elementos que compõe a Comissão ou pelo contrário, os Comissários devem ser agentes desapaixonados pelas questões que tratam, aplicando uma lógica processual e de gestão por indicadores, sondagens, lobbys, realpolitik, etc. Eis um debate que considero interessante.
Pelo menos contemos com o equilíbrio no seio desta Comissão, e se o Sr. Buttiglione é um homofóbico "de poche" temos o Comissário Peter Mandelson, gay assumido, para compensar a deriva "diácona" da Comissão. A grande dúvida será como situar José Manuel Barroso nesta particular contenda. Será terceira via?
A República dos Professores
HELENA MATOS
Público, 16/10/2004
Há duas semanas que se discute o "fait divers" Rebelo de Sousa. Detrás das moitas saltam agora outros colunistas gritando que também eles foram vítimas de perseguições e creio mesmo que, de agora em diante, qualquer colunista fará do caso Marcelo o seu seguro de vida. Claro que nem todos os comentadores podem contar com a benesse dumas declarações como as de Gomes da Silva que estendem sob os pés do mais inócuo o tapete vermelho da perseguição, última etapa antes da consagração no panteão dos intocáveis. Marcelo tirou e tirará o proveito político que puder desta situação e estranho seria que não tirasse. O que faz Marcelo Rebelo de Sousa senão política? Aliás Marcelo protagoniza um estatuto que é invejável para os políticos: tornou-se Professor. O termo Professor quando maiusculado gráfica ou foneticamente e aplicado a um político não tem nada a ver com actividades lectivas. Não interessa nada o que, na sua vida profissional, faz o Professor porque o estatuto do Professor implica, em Portugal, uma espécie de imaterialidade que o livra dessas coisas comezinhas do dia-a-dia como os vencimentos. Neste imaginário associa-se o Professor a alguém que, na esfera intelectual, é muito bem remunerado graças a actividades difusas como pareceres e colóquios. De alguma forma na questão do dinheiro o Professor assemelha-se ao Artista ou ao Poeta (também eles gráfica e foneticamente maiusculados): o seu valor não é objectivo mas subjectivamente está implícito que, por mais que se lhe pague, esses montantes serão sempre uma mesquinha expressão material face a tanto Saber e Génio. Por exemplo, recorde-se a escolha do secretário-geral do PS. Quantos artigos foram feitos sobre os rendimentos de Sócrates? E quantos sobre o mesmo tema foram dedicados a Manuel Alegre? Manuel Alegre é um Poeta, logo até parece acintoso abordar-se essa temática acerca de si. Já quanto a Sócrates, que segue o teleponto e não as Musas!, antes pelo contrário, está agarrado às coisas mesquinhas do mundo.
Uma das características mais interessantes deste estatuto do Professor prende-se com o facto de elevar os poucos que dele usufruem acima dos outros comuns políticos. Estes, por contraste, ficam transfigurados numa espécie de turma irrequieta, preguiçosa e bulhenta. Os Professores apresentam-se como vultos não movidos pela paixão, nem pelo desejo de ganhar os combates políticos. As soluções indicadas pelos Professores são ungidas pelo Saber e estão livres da mácula da política. O Professor funciona no imaginário português como a Câmara dos Lordes ou os senados. Assim se explica também que sendo professores alguns políticos no activo eles só comecem a ser referidos pelo majestático Professor quando oficialmente deixam a política activa e, na verdade, a trocam por outra forma de fazer política. Deixam de ser "o Cavaco", "o Marcelo", "o Freitas"... e tornam-se no Professor. Esta passagem não é fácil e poucos conseguem cumprir os rituais de investidura. Mas uma vez superadas todas as barreiras entra-se no Olimpo.
Tal como acontecia na Antiga Grécia, também este heróis têm os seus seguidores, aqueles que, quais sacerdotisas de antiquíssimos oráculos, lhes interpretam as mais simples frases, os silêncios, os olhares. Mesmo os jornalistas, sobretudo aqueles que cultivam um ar pesporrento face aos outros políticos, quando entrevistam os Professores parecem ter acabado de sair dum anúncio da Tele2 e, a cada olhar, interrogar-se e interrogarmo-nos: "Como é possível que ainda não tenhamos levado este homem em ombros até ao lugar que lhe compete?" Sim, porque a grande lição de todos os Professores é essa: eles sabem qual é o lugar que merecem na sociedade. Aparentemente não mexem um dedo para chegar lá. Somos nós que não só lhes temos de pedir que, em nome do bem comum e do país, abandonem essa espécie de retiro intelectual e espiritual em que são felizes, como ainda penitenciarmo-nos por não o termos feito antes. Em Portugal, esta trata-se duma estratégia com reconhecido sucesso para conquistar o Poder - basta pensar em Salazar ou Marcelo Caetano. Mas não só. Os Professores são os nossos grandes sobreviventes políticos. Essa espécie de desprendimento dos lados mesquinhos da vida de que beneficiam leva a que nunca fiquem em absoluto comprometidos com o seu passado: Veiga Simão, Adriano Moreira, José Hermano Saraiva... provam-nos que, aos Professores, não só lhes é mais fácil a reconciliação com os novos tempos como mais provável que acabem incensados pelos seus antigos detractores.
II) Frequentemente chocamo-nos com a indiferença manifestada, no passado, perante factos que hoje nos indignam e nem damos por que, no nosso tempo, estamos nós mesmos a enfermar dessa selectiva cegueira que tanto nos surpreende no passado. Exemplar deste paradoxo são os temas abordados num seminário sobre jornalismo que, em 1976, decorreu em Portugal. Questões como a clivagem entre tipógrafos e jornalistas naqueles países que, como os EUA e a Suécia, tinham aderido à informática prestaram-se então a profundíssimas reflexões que, em geral terminavam com os oradores e a assistência a exorcizarem tal cenário dos seus países e das respectivas redacções. Curiosamente não mereceu grande atenção uma questão suscitada por uma das jornalistas presentes, Maria Antónia Palla, que interrogou os oradores sobre a forma como, dentro do respeito pela ética, se deveriam noticiar os crimes contra mulheres e menores, Em 1976, a importância da relação entre o jornalista e o tipógrafo surgia como muito mais importante do que essa matéria da violência doméstica e dos abusos de menores que, em boa verdade, a imprensa séria de então não abordava. Hoje sabemos quem estava do lado da modernidade naquele seminário. E creio que dentro de alguns anos nos interrogaremos sobre alguns casos que, neste ano de 2004, temos despachado de forma apressada, um pouco como aqueles assistentes do seminário obcecados em resistir à informatização. Por exemplo, esta semana, foram despedidos dois jornalistas da televisão alemã RTL II, por, na edição, não terem cortado as imagens que davam conta do momento em que um dos concorrentes do Big Brother contava três anedotas sobre judeus. Convém não esquecer também que, nas declarações do porta-voz da RTL II, se ficou a saber que o concorrente que contou as anedotas, um italiano residente em Hamburgo, foi ameaçado de expulsão. E se em vez de ridicularizarem judeus as anedotas versassem nazis ou comunistas? Ou, aportuguesando o exemplo, alentejanos? Interessante será saber qual a solidariedade que receberão estes dois jornalistas e qual a repercussão dada a essas iniciativas, caso venham a acontecer. Simultaneamente, o italiano Rocco Buttiglione vê o seu nome vetado para comissário europeu não por causa daquilo que defende do ponto de vista legislativo mas sim pelas suas convicções religiosas. Se recuássemos algumas décadas, Rocco Buttiglione seria provavelmente interrogado não sobre o casamento e a homossexualidade - que era então unanimemente considerada à esquerda e à direita como um comportamento censurável quando não criminoso - mas sobre o que pensava da origem da vida, matéria que deu azo a enormes polémicas entre católicos e ateus e levou a que convicções religiosas e espírito científico fossem considerados incompatíveis. Cada época selecciona quem está disposta a calar e a apagar. Geralmente essa escolha faz-se em nome do bem comum. Às vezes, até se faz em nome da liberdade
Torquemada, Disse?
AUGUSTO M. SEABRA
Público, 17/10/2004
A única vantagem possível que pode resultar imediatamente da ida de José Manuel Barroso para Presidente da Comissão Europeia será uma maior disponibilidade da opinião pública portuguesa, admitindo que ela exista, às políticas e mecanismos das diversas instituições da União.
É neste quadro que, no plano dos princípios e no da pedagogia, estou em frontal discordância com José Manuel Fernandes (J.M.F.) logo ao primeiro "caso" desta presidência de Barroso, o da indicação de Rocco Buttiglione para os Assuntos Internos e do parecer contrário da Comissão de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu.
O indigitado comissário, um próximo do Papa, considera a homossexualidade um "pecado" e, no tocante aos direitos da mulher, que "matrimónio" supõe "maternidade" - acrescentando ainda que considerar uma orientação sexual como "pecado" não é o mesmo que "crime", e que ao homem compete apoiar a mulher.
No entender de J.M.F., Buttiglione explicou perante a Comissão "que sabia 'distinguir entre moralidade e lei', o que implica que 'muitas coisas podem ser consideradas imorais sem terem por isso de ser proibidas'; depois, com lógica, acrescentou que 'podia considerar que a homossexualidade era um pecado sem que isso implique querer criminalizá-la'. Afinal, 'O Estado não tem o direito de meter o seu nariz neste domínio'. Trata-se de uma declaração corajosa de alguém que não abdica da sua fé particular e que mostra impecáveis credenciais liberais". Como assim?! Posso até tomar nota que Buttiglione não abdique da sua "fé particular", mas "impecáveis credenciais liberais" não descortino.
Infelizmente é apenas uma das várias falácias de J.M.F. Considera ele que por muito detestável que seja o Governo de Berlusconi, é das regras da democracia que indique quem entenda para a Comissão. É um facto. Creio ter até um razoável conhecimento da situação italiana para dizer que, na área desse Governo, Buttiglione, provindo da antiga Democracia Cristã, é um dos mais europeístas, coisa que não se pode dizer do próprio Berlusconi ou sobretudo da Liga Norte. A questão, que J.M.F. totalmente oblitera, é contudo outra.
Uma vez obtido o seu voto favorável no Parlamento, a primeira tarefa de Barroso, e a sua primeira dificuldade, era a de gerir os nomes que lhe tinham sido indicados pelos governos pelos diferentes pelouros da Comissão. E a escolha de um homem com as convicções de Buttiglione para uma "pasta" que engloba as Liberdades e Direitos é péssima.
Não creio que se possa falar de uma "Europa dos cidadãos", a perspectiva que, suponho, em última instância nos interessa, sem supor também que o comissário com os Assuntos Internos esteja atento e tenha capacidade de chamar a atenção da Comissão para esta propor ao Conselho ou ao Parlamento as matérias de liberdade e direitos, que abrangem a não discriminação em função de género ou orientação sexual.
Buttiglione acha que "o Estado não tem o direito de meter o seu nariz neste domínio" e J.M.F. fica em êxtase "liberal"! Será assim tão simples? O Estado não tem que regular a vida privada (era o que faltava!), mas tem que assegurar justamente que cada indivíduo, cada cidadão e cidadã, livres e iguais perante a lei (uma matriz da cultura europeia e mesmo "ocidental" de que J.M.F. tanto se reivindica, e eu também), possam usufruir do seu estatuto. O que Buttiglione propõe é que as mulheres aceitem uma função especificamente reprodutora dentro do "matrimónio", e que os "homossexuais" usufruam o seu "pecado" no estrito domínio da privacidade. São isto liberdades e direitos? É isto liberal?
Mas há mais. J.M.F. entende que a Comissão chumbou "pomposamente" o nome de Buttiglione. Desde quando um mecanismo parlamentar de audição e verificação, mesmo num caso não-vinculativo como este, é "pomposo"? Num liberal, como J.M.F., esta desconsideração dos mecanismos da democracia representativa é-me absolutamente surpreendente.
Mas a argumentação de Buttiglione impressionou muito J.M.F.: "Como homem culto, conhece a origem da palavra 'matrimónio' que traduz o conceito de um contrato que visa proteger a mulher e os seus filhos, implicando obrigações para os maridos." Seria o argumento filológico: "matrimónio" supõe "mátria", "mãe". E daí se deduziria um fundamento "natural" e uma ontologia.
Acontece que a relação que o direito civil - e os direitos - consagra não é o "matrimónio", um sacramento sagrado para a Igreja, mas sim o casamento. A mim nunca me foi perguntado se "queria contrair matrimónio"; declarámos que queríamos contrair casamento, um contrato de união.
A afirmação de Buttiglione, "O Estado não tem de meter o seu nariz neste domínio", tem a sua inteira validade se considerarmos sim que o Estado nada tem a ver com o facto de aqueles que perante ele celebram um contrato entenderem também consumar o acto recebendo o que consideram ser o sacramento do matrimónio. Mas o que à sociedade civil e politicamente organizada importa é o casamento.
É muito fácil dizer, como Buttiglione fez, e outros repetiram, que ele separa as suas convicções pessoais da lei. Mas então, sabendo que a homofobia e a discriminação das mulheres (duas posições de facto tão reiteradas pelo Vaticano woytiliano a que o comissário está tão estritamente ligado) são matérias reais as quais, tendo que ser enfrentadas no plano das mentalidades, há também que considerar no quadro das acções políticas e dos enquadramentos legais, incluindo o nível supranacional europeu, sabendo-se isso, a indicação de Buttiglione é, das duas uma: ou uma opção pela inacção, ou um desafio a que viole a sua própria consciência - poderá ele levar por exemplo à consideração medidas "permissivas" do "pecado"? Então?
Não é esta a primeira vez que J.M.F. usa de uma figura retórica de subscrever ou justificar uma argumentação dominante (é uma evidência empírica que num país como Portugal opiniões como a de Buttiglione colhem larga aceitação) como se fosse esta a estar acossada. Agora chega mesmo a falar, a propósito do voto da Comissão, dos que "vestem a pele de Torquemada dos nossos dias". Torquemada era inquisidor, e a sequela do Santo Ofício é a Congregação da Doutrina da Fé do cardeal Ratzinger que elabora os documentos pontifícios que o católico Buttiglione subscreve e o laico J.M.F. justifica (por exemplo, "A Coerência do Papa", editorial de 03/08).
O estatuto editorial deste jornal é-me particularmente grato. "O PÚBLICO considera que a existência de uma opinião pública informada, activa e interveniente é condição fundamental da democracia e da dinâmica de uma sociedade aberta, que não fixa fronteiras regionais, nacionais e culturais aos movimentos de comunicação e opinião; O PÚBLICO participa no debate das questões que se colocam à sociedade portuguesa na perspectiva da construção do espaço europeu e de um novo quadro internacional de relações". Só posso ainda mais desejar que os espaços de opinião se abram também com estes e outros desafios europeus. O risco de com uma argumentação retoricamente liberal se comparticipar de uma democracia afinal "iliberal" diz-nos respeito a todos.
O volume nas costas...que será?
Bush não pára!
Agora o que se discute é se ele trazia um receptor rádio debaixo do seu casaco durante o primeiro debate presidencial na Florida, a 30 de Setembro. As fotos do debate de facto fundamentam a suspeita.
O que surpreende não é tanto o doping argumentativo que o recurso a uma tecnologia deste tipo proporciona. Muitos moderadores de debates televisivos recebem instruções da régie, via auricular, por onde o realizador ou editor do canal dão dicas mirabolantes ou contam anedotas badalhocas para embaraçar o comentador.
Nos Estados Unidos, no desporto rei - o american football - os treinadores recorrem há muito este tipo de tecnologias para aborrecer os jogadores em campo. Imaginem o típico mister luso, a bradar carameladas via bluetooth para o campo. Aghhh
Portanto,why not? Porque razão não pode homem mais poderoso do mundo, que até nem parece mentalmente muito ágil, socorrer-se de um dispositivo destes? Aliás, poderia até nem ser real Bush, mas um sósia que recebia instruções do genuíno para ser mais verosímil (Está o público a pensar "This Bush smiles like Bud Spencer and got gloss on his lips, doesn´t look like him at all?" e aí o Bush sósia dita para o substituto "Mr. Kerry, i answer you saying that i'm not a metro-sexual, i never use the underground, i prefere to go by bus". A audiência desabafa "Ya, is really the "gajo").
Mas o fascínio deste Bush pela pantomina já roça a tara. Começou eleito por uma maioria artificial, passou pelo peru de plástico no Thanksgiving Day do ano passado e agora até o discurso é preparado e emitido via rádio pelos gurus dos mass-media Morais Sarmento e Luis Delgado .
Pobre arbusto.
Houve alguém que recentemente disse isto:
"O primeiro-ministro pensa muito antes de falar. Pensa acima de tudo nos seus compromissos com os portugueses, mas também o faz com alma, com o coração e com aquilo que pensa ser melhor para Portugal."
Bonito não é ?!!!
Mas é dele, do grande dissimulador do óbvio, do neo-sufista do PPD-PSD, desse vulto político que dá pelo nome de Gomes da Silva, a autoria deste delírio. Ao melhor estilo de Mohammed al Sahaf, mais conhecido por Ali o Cómico, guru desta nova geração de ministros Sienfeld.
Que ele tenha ajudado a silenciar o Marcelo ainda se pode considerar táctica política, agora uma frase destas!...
Saber mais:
Condecorações e Louvores - Ordem de Francisco de Miranda (Venezuela)[...Hummmm]
Obras publicadas - Colaboração na Enciclopédia Polis [...como fã do contraditório que é deve ter sido o autor da contracapa]
(informação gentilmente difundida no site da AR)
NunoMMM
Que se passa com as democracias actuais? Que líderes são estes, de onde e como emergiram? E como chegaram à superfície vindos de tão fundo, desde o lodo, ou serão mesmo de uma espécie ainda dotada de guelras? Serão eles capazes de respirar o ar do serviço público ou estarão já a hiperventilar com tanto poder?
Olhamos em redor e o que vemos são Berlusconi com mais canais de TV que concorrentes ao "Idolatrinis" com júris manhosos, Sharon a construir muros sem estudo de impacto ambiental (literalmente) , Bush a bushar, Chaves a inchar (triplicou o peso desde que é presidente), Aznares a asnear (esse já se foi!), Blair com cientistas a cortarem os pulsos em canaviais imundos (obviamente o desejo de qualquer cientista que queira enveredar pelo martírio) e, por fim, Santana a brincar aos Pinochets.
A tudo isto falta um dado concreto, que deverá ser tornado público a breve prazo mas que eu desde já antecipo: Sampaio está preocupado. E Bué.
Mas francamente, que deu na cabeça desta gentinha para sanear (não há outra palavra) o Marcelo Rebelo de Sousa da TV?
É que este era o único espaço de opinião interessante na patética TV nacional, o único que conjugava informação e análise política verdadeira (o que ali era dito tinha efeitos reais em certos meios) com uma forte componente de entretenimento. Pois, agora ficaremos só com o entretenimento do Luís Delgado...
Será que a partir de agora MRS será considerado um proscrito, impedido de escrever um blog? de ter um programa na Rádio Voz de Celorico? de comunicar em público? de escrever prefácios?
Temos de estar atentos. Afinal somos mais e bem melhores.
Olá amigos, surge mais uma rubrica neste estimulante blog, o "Comentador de Bancada". O "Comentador" está de olho nos media e, à boa maneira de umas Selecções do Bloger's Digest, irá divulgar os artigos que o mereçam. Claro que este mérito é tanto maior quanto mais próxima a opinião no artigo em causa estiver da posição do "Comentador" e da sua bancada. Quando a opinião expressa no artigo coincidir na totalidade com a deste blogger, então este espaço assumirá o título de "Comentador de Bancada Central".
Nota: como já devem ter percebido, este estratagema permite-me ter sempre textos interessantes no blog, oferecer-vos conteúdos de alta qualidade e acima de tudo, o blog estará updated com o mínimo de trabalho de escrita. Prometo que em breve publicaremos algumas linhas de opinião em nome próprio.
É com este espírito que "posto" aqui este pertinente artigo de opinião do Prof. Vital Moreira sobre ranking das escolas de Ensino Secundário em Portugal. Aguardo os vossos comments sobre o tema.
O "Ranking" do Ensino Secundário
Imagine-se uma troca de alunos entre a escola situada no primeiro lugar na lista de classificações dos exames do 12º ano do ensino secundário e a escola que ficou em último. O resultado seria o mesmo? Não são precisos dotes de adivinhação para antecipar que muito provavelmente a primeira escola cairia abissalmente na ordenação e a segunda subiria espectacularmente pela escala acima.
Serve isto para dizer que, sendo seguramente relevantes outros factores - nomeadamente a qualidade e motivação dos professores e a qualidade da gestão da escola, o rigor e a disciplina escolar, etc. -, o mais importante vector singular é porventura constituído pelos próprios alunos. Tudo o resto sendo igual, os resultados de uma escola dependem essencialmente da qualidade dos alunos e o seu desempenho varia substancialmente conforme as suas origens sócio-económicas e o seu percurso escolar, desde a frequência do ensino pré-primário até à qualidade do ensino básico precedente. Falamos obviamente de médias e de regras gerais, que não prejudicam os desvios nem as excepções mais ou menos significativas.
Se reduzirmos o campo de observação às cidades onde existem várias escolas, fácil é verificar que no mesmo município o seu desempenho varia consideravelmente, consoante se trate de escolas frequentadas predominantemente pelas elites sociais (filhos de pais com instrução superior, rendimentos familiares altos, acesso doméstico a livros e meios informáticos, frequência de jardins de infância e ensino pré-escolar, etc.), e as escolas da periferia, frequentadas maioritariamente por alunos oriundos das camadas populares ou dos meios rurais (pais com níveis de instrução básica, se alguma, rendimentos familiares baixos, ausência de livros e de computadores em casa, falta de ensino pré-escolar, ensino básico já problemático).
Tomemos o caso de Coimbra, por exemplo, comparando a escola Infanta Dona Maria, que é a escola pública do país mais bem classificada, sendo frequentada pela elite social da cidade, e a escola Dom Duarte, que aparece situada em 302º lugar, que fica situada na margem esquerda, com uma forte frequência de alunos oriundos das freguesias rurais. É de supor que não existam diferenças substanciais entre elas, no que respeita à sua gestão e à qualidade e estabilidade do corpo docente. Se se quiser uma explicação para a enorme diferença de classificações, isso deve atribuir-se principalmente aos respectivos alunos. A reportagem do PÚBLICO sobre a primeira não deixa margem para dúvidas. A presidente da direcção da escola relata que a escola "está localizada numa zona nobre da cidade e acolhe, principalmente, alunos provenientes de um meio sócio-cultural elevado" e que "os pais vêm trazê-los e buscá-los de carro e muitos têm explicações a várias disciplinas". E uma aluna acrescenta: "Eu tenho explicações a Matemática e a Física (...), mas tenho colegas que têm explicadores particulares para todas - todas! - as disciplinas!" É fácil imaginar a diferença do quadro na escola da outra margem do Mondego...
No mesmo distrito de Coimbra, a par da referida escola pública no topo da classificação, fica também a escola com piores resultados, na Pampilhosa da Serra, uma das zonas mais isoladas e deprimidas do país (há pouco tempo soube-se que estava mesmo em risco de perder as carreiras de transporte público de passageiros...). O panorama da escola e do meio, também descrito na reportagem do PÚBLICO, não poderia ser mais diferente do da bem classificada escola da capital do distrito. Uma boa parte dos alunos provém da zona rural, sendo filhos de camponeses; poucos (se alguns) tiveram ensino pré-escolar; têm de deslocar-se diariamente para ir à escola; em casa são chamados a desempenhar tarefas agrícolas e outros afazeres caseiros, faltando normalmente o ambiente propício ao estudo. A instabilidade do corpo docente é outro "handicap": há disciplinas que chegam a ter três, quatro e cinco professores no mesmo ano; uma parte dos professores vem também de fora, sendo obrigados a fazer muitos quilómetros diários por estradas sinuosas.
Um dos grandes equívocos que todos os anos se exploram é o dos melhores resultados das escolas privadas. Ora, o que se verifica é que as melhores escolas privadas são indubitavelmente os colégios selectos das elites económico-sociais situados em Lisboa, Porto e arredores (nada menos de 14 entre os primeiros 20 lugares da lista), sendo que o colégio de Vila Real que surge em primeiro lugar é pouco significativo, dado o número reduzido de alunos levados a exame. A alta qualidade delas - em geral muito dispendiosas para os beneficiários - tem a mesma explicação que a da excelente escola de Coimbra, a que acresce muitas vezes a selecção dos alunos, o que está vedado às escolas públicas. De resto, o que é a admirar nos seus resultados é que estes não sejam melhores do que são, pois se se retirar a referida escola de Vila Real, nenhuma delas atinge os 14 valores de média, o que não é propriamente famoso.
Para além dessas escolas, que constituem um grupo à parte, o panorama das demais escolas privadas não é melhor do que os das públicas, pelo contrário. Assim, entre as 100 escolas mais mal classificadas, contamos nada menos de 20 privadas (20 por cento), o que fica acima da quota de escolas privadas no ensino secundário, que é de 18,5 por cento (112 escolas num total de 608). Ou seja, as escolas privadas obtêm os melhores resultados mas também os piores. Ora essa grande assimetria - que é ainda maior do que nas escolas públicas - só pode dever-se aos mesmos factores que explicam a assimetria das escolas em geral, sejam elas públicas ou privadas. Uma escola privada na Pampilhosa da Serra faria muito melhor do que a referida escola pública? Por isso, o argumento da superioridade das escolas privadas, só por o serem, é uma grande mistificação. Há certamente muito que corrigir na escola pública, quanto à gestão, disciplina, rigor, autonomia e responsabilização, avaliação, etc. Mas a comparação entre escolas só poderá fazer-se em igualdade de circunstâncias, desde a composição do corpo discente à percentagem de alunos submetidos a exame nas disciplinas mais problemáticas (nomeadamente Matemática e Português).
Como seria de esperar, é também nestas alturas que aparecem os campeões do ensino privado a defender o financiamento público das escolas privadas, bem como a liberdade de escolha dos alunos, sempre em nome da liberdade de ensino. Trata-se de outra propositada confusão. Entre nós, é livre a criação de escolas privadas, cuja frequência é igualmente livre, sendo o seu ensino publicamente reconhecido. Mas o Estado não tem nenhum dever de financiar as escolas privadas, nem deve fazê-lo à custa do financiamento das escolas públicas, que são uma responsabilidade constitucional sua. Em Portugal, o ensino público é um direito, o ensino privado uma liberdade. O Estado tem de garantir a toda a gente a escola pública, plural, não confessional, em igualdade de circunstâncias. Quem preferir as escolas privadas, por razões confessionais ou outras (designadamente de prestígio social), não pode invocar um direito ao pagamento do Estado. O Estado também não tem de pagar por exemplo a quem, tendo direito a serviços públicos de saúde gratuitos, prefira uma clínica privada; ou a quem, tendo transportes públicos subsidiados pelo orçamento, prefira viajar em transportes particulares. O financiamento público das escolas privadas, para além de desviar recursos das escolas públicas, que bem precisam de ser melhoradas, e de ser financeiramente incomportável (dado que o Estado não poderia reduzir correspondentemente o financiamento das escolas públicas), traduzir-se-ia sobretudo em subsidiar um privilégio dos mais ricos.
Vital Moreira PÚBLICO - 05/10/2004
Só para lembrar a mais genial das tiras cómicas.
Enquanto não consigo tempo para começar a elaborar meia dúzia de reflexões mensais, mais dois ou três destaques críticos e o relançamento da saudosa "MusicLetter" (e assim se apresenta o programa de um blog) aqui fica um post de memória, um post sempre gold em linguagem televisiva de cabo coaxial.
Sempre fui céptico em relação aquela frase feita "obra a que apetece sempre voltar". Os livros de que mais gostei são sem dúvida aqueles aos quais o regresso me é mais difícil, dolorosamente difícil mesmo.
Estes "bonecos" são uma maravilhosa excepção. Seja em livro ou no jornal, de manhã, numa última página que tantas vezes conseguem tornar na primeira, revê-los e relê-los é muito bom.
Gosto muito do bom.
Calvin & Hobbes