10.12.04

Zé Manel, o homem do martírio

Faz hoje uma semana que o José Manuel Fernandes publicou no Público (onde haveria de ser) mais um dos seus editoriais evangelizadores: pelo sacrifício alcançaremos o bem estar. Só o martírio permite aceder ao céu!

Das diversas particularidades que povoam o jornalismo português, uma das mais originais será o facto de o editorial de uma publicação raramente veicular a posição da mesma mas tão somente a do autor, por norma o director. Reconheço que no caso do Expresso, o espaço de opinião reservado ao arquitecto não tem o estatuto de editorial, mas acredito que a maioria dos leitores confunde a ?Política à Portuguesa? com um editorial do jornal. Aquela foto de olhar assombrado e enfastiado para o futuro valida essa conclusão. Aliás, nome estranho o dessa coluna, faz-me sempre pensar que quando escolhia o nome o arquitecto pensava em "peixinhos da horta" ou "j'aquinzinhos". Dá vontade de a ler acompanhado de um copo de tinto. Enfim, nomes...

Voltamos ao Zé Manel. E o que disse ele? Por exemplo isto:

Daí que seja altura de dizer aquilo que os portugueses começam - por fim - a estar preparados para ouvir: que têm de trabalhar mais e melhor; que têm de suportar taxas mais altas de desemprego enquanto se proceder aos reajustes estruturais; que não podemos, famílias e Estado, continuar a endividarmo-nos; que teremos de viver vidas mais incertas porque mais competitivas. (...)Tudo isto passará por coisas tão difíceis como assumir que devemos ter menos universidades e cursos superiores, mas melhores. Que os que vivem em casas com rendas antigas vão ter de pagar mais ou mudar-se para apartamentos mais pequenos. Que temos de pagar mais pelos combustíveis fósseis e pagar mais pela utilização do transporte individual. Que todos os serviços públicos têm de ser avaliados e, se se justificar, encerrados.

Acabou o tempo do fogo de artifício, é tempo de ter os pés na terra.

Qual clérigo de uma madrassa, JMF apregoa o regresso à terra para conquistar o céu, o retorno à um quotidiano frugal sem ambições e dívidas, sem vaidades e pretensões. Assim como na Albânia ou países em situação económica similar, que como todos sabemos, aproveitam os sacrifícios hoje vividos pelas suas populações para implementarem importantes reformas estruturais e se tornarem economias de ponta! Pois, é o que mais se vê...

Zé Manel, conto com o teu exemplo. Muda-te para o T1 em Cacilhas, tira o passe combinado Transtejo-Metro-Vimeca, troca o fato Labrador pelo C&A, aconselha a família a abdicar da Católica por curso técnico-profissional com saída. E quando juntares muito dinheirinho, veste o teu melhor e mais digno fato coçado, colocas a pose de patrão austero e marcado pelos sacrifícios e abre uma empresa só tua, mas onde o funcionários só possam aspirar o salário minimo, para que possas ser competitivo como os chineses.