13.10.04

MusicLetter #01

Dois mil e quatro está a ser até agora um dos anos mais medíocres em termos musicais de que tenho memória. Basta uma audição atenta das rádios mais abertas à diversidade sonora para constatar que raramente passam dois temas seguidos da colheita de 2004.
É evidente que há excepções (e não vou dizer a sua existência confirma a regra; não vou mesmo, esse chavão não me arrancam) todavia o panorama global é pobre, inclusive em géneros tradicionalmente resistentes à esterilidade criativa. Por exemplo, este ano nem à habitual música de verão, ibizo-latinizada e viscosa qb, tivemos direito.

Ok, vou então abordar uma honrosa excepção. E, talvez não por acaso, uma excepção em 2004 que de todo não pertence ao seu, também nosso e actual, tempo. Situa-se, por vontade dos seus criadores e pela intrínseca dificuldade destes em se distanciarem das suas influências, nos anos 70.
Não nos operáticos e acidulados seventy britânicos, não na revolucionária e clínica década de setenta germânica e muito menos nesses anos 70 pós-Maio 68 em França, onde a chanson se redesenhava à imagem das patilhas dos seus interpretes...sim e também Gainsbourg, que até creditado neste álbum. E é do hexágono, mais concretamente de Marselha, que surgem os Troublemakers e os seus anos 70 são sons que pulsam da East Coast, de uma New York afro-americana no auge do blaxploitation.
Os Troublemakers são um trio composto por Fred Berthet, o electrónico de serviço, Arnaud Taillefer,o cinéfilo e Lionel Corsini,o experimental e o seu lançamento deste ano é este Express Way, álbum editado curiosamente pela Blue Note.

Express Way é editado conjuntamente com uma média-metragem com o mesmo nome escrita por Taillefer , sendo que esta duplicidade é fundamental para compreender o ambiente cinemático que atravessa todos os temas do álbum. Este desejo de compôr para o cinema não é novo, já o ano passado o colectivo havia lançado uma compilação (Stereopictures Vol.2 ) com o objectivo de servir de banda-sonora a um filme imaginário. Com as participações vocais da voz soul de Sandra N kéké e o actualmente sempre cool enquadramento nigga de The Gift of Gab, do colectivo norte-americano Blackalicious, os temas dos Troublemakers criam um denso ambiente dramático assente no jazz electrónico e na herança afro-americana da carapinha pós-street- disco.
Há aqui muito do crescimento destes 3 produtores expostos a fortes doses de Shaft, young Spike Lee, sirenes policiais, a muito Bronx e a muito Harlem, o que é irónico se pensarmos nos actuais ghettos magrebinos de Marselha, provavelmente o que de mais parecido existe no planeta com a New York de 1970, mas muito menos cinemáticos.
Express Way é um álbum que se vai revelando com a audição, e as poucas canções vão ganhando espessura e autonomia face ao todo.
Ainda não vi o filme, mas fiquei com curiosidade após a audição do CD (ponto muito favorável, pois normalmente não tenho paciência para estas coisas arty e conceptuais de disco com filme.O contrário já é diferente!).
Porque que será que a música francesa melhora quando é negra e americana?


TROUBLEMAKERS - Express Way (2004)
7/10

Nota: A MusicLetter voltou, agora em formato blog. Espero que a crítica e as sugestões musicais aqui apresentadas vos ajudem a esquecer as agruras da política nacional.

1 Comments:

At 15 de outubro de 2004 às 10:46, Blogger tangaranho said...

hehehehehe.....é um bom interrogante o do final...sim, eu antes a este tipo de música näo lhe emprestava demasiada atençäo, na minha adolescência as minhas preferências se centravam no punk e no metal. Foi quando me comecei a interessar pelo reagge e o ska que fui introducindo noutro tipo de vertentes como o hip-hop, o funky, o disco...e hoje sinto bastante atracçäo cara essas vertentes da música. De qualquer maneira, opino que nas artes há um contínuo revisar, tudo é de ida e volta.

 

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